Uma breve introdução
A teoria do apego busca explicar a forma que nós, como humanos, desenvolvemos o apego a outras pessoas. O apego existe dentro das relações íntimas e não necessariamente é algo ruim, como muitas vezes vemos nas redes sociais falando que precisamos “desapegar”. A verdade é que o apego é necessário para nossa sobrevivência e para formar vínculos íntimos com as outras pessoas, o problema só surge quando esse apego não se dá de forma saudável.
O apego se forma, inicialmente, com nosso cuidador primário, ou seja, a pessoa que cuida de nós logo que nascemos. Para muitas pessoas, esse cuidador primário é a mãe, mas para outras pode ser alguma outra pessoa, como um pai, uma tia, avó, avô, entre outros. A questão é que o apego se forma justamente porque o bebê humano é extremamente dependente desse cuidador primário para sobreviver: precisa dele para se alimentar, para manter sua higiene, para ajudar a regular a temperatura, para se locomover… Resumindo, o bebê humano é completamente dependente de outra pessoa para sobreviver aos primeiros anos de vida.
A questão é que, conforme vamos crescendo, vamos ficando cada vez mais independentes e não precisamos mais de outras pessoas para nos ajudar com o básico. No entanto, a experiência que tivemos com nosso cuidador primário nos primeiros anos de vida acaba moldando a forma que aprendemos a criar intimidade com outras pessoas.
Quando temos pais/cuidadores que atendem às nossas necessidades de forma satisfatória, aprendemos a confiar nos outros e no mundo ao nosso redor. No entanto, infelizmente, é relativamente raro que nossos cuidadores possam conseguir atender a essas necessidades o tempo todo e, por conta disso, uma grande parte de nós acaba desenvolvendo o que se chama de “apego inseguro”.
No apego inseguro, geralmente temos dificuldade em confiar nas outras pessoas. Mesmo depois que já crescemos, somos independentes, nossa relação com nossos pais é boa e tudo mais, a marca desses primeiros momentos de vida continua influenciando a maneira que formamos conexões com as outras pessoas. Se, na infância, fomos constantemente frustrados, tivemos necessidades negligenciadas, entre outros, acabamos aprendendo que as relações íntimas podem não ser tão seguras e podem acabar nos machucando muito.
Isso se manifesta de várias formas, constituindo o que chamamos de “estilos de apego”.
Os estilos de apego
Atualmente, existem 4 formas de classificar como desenvolvemos o apego. São elas:
Apego seguro
Quando uma pessoa tem boas experiências na infância, tendo a maior parte de suas necessidades atendidas, ela desenvolve o que se chama de apego seguro, em que se sente confortável em criar intimidade com outras pessoas e não tem muita dificuldade em desenvolver confiança.
Apego ansioso ou ambivalente
O apego ansioso ou ambivalente se forma quando os cuidadores não conseguiam atender as necessidades da criança de forma consistente e previsível. É o caso de uma mãe que às vezes está disponível, às vezes não, fazendo com que a criança nunca saiba quando pode contar com ela.
Nas relações, as pessoas com esse tipo de apego costumam apresentar bastante ansiedade e insegurança, podendo ter também medo do abandono. Costumam precisar que as pessoas estejam bastante presentes, afirmando constantemente que está tudo certo, e analisam minuciosamente qualquer sinal de que algo poderia estar errado.
Para pessoas com esse tipo de apego, é comum ficar ansioso caso a outra pessoa esteja agindo um pouco diferente do normal, respondendo pouco, e há uma tendência a levar para o pessoal mesmo quando a outra pessoa está passando por uma questão não relacionada. Se a outra pessoa está, por exemplo, estressada por conta de alguns exames que precisa fazer, e por isso acaba tratando a pessoa com apego ansioso diferente do normal, essa pessoa pode acabar pensando coisas como “ela não gosta mais de mim”, “está brava comigo”, “tem algo de errado na nossa relação”.
Algumas pessoas com apego ansioso ficam apenas pensando nessas coisas, procurando sinais o tempo todo de que está tudo bem ou de que tem algo de errado. Já outras podem acabar indo atrás da outra pessoa para conversar e tentar “consertar” as coisas, mesmo quando não há nada de errado.
Em casos extremos, esse tipo de apego pode ser bastante prejudicial para as relações, pois a pessoa ansiosa sofre com seus sentimentos e pensamentos em relação à situação, e pode acabar fazendo cobranças demasiadas a outra pessoa, que pode se sentir sufocada na relação.
Apego evitativo
Ocorre quando a criança antecipa rejeição, provavelmente por ter pais/cuidadores ausentes ou negligentes que não atendem às suas necessidades de forma adequada. Os pais/cuidadores também podem ter falhado em acolher as emoções da criança, em especial emoções negativas, prejudicando o desenvolvimento da regulação emocional.
Essas pessoas aprendem a serem independentes, reprimindo seus sentimentos e não reconhecendo quando estão precisando de alguma ajuda, em especial no quesito emocional. Apresentam uma tendência a preferir relações mais superficiais, sem tanta intimidade, podendo também fugir de compromissos. Da mesma forma que não contam com a ajuda de ninguém para regular suas emoções, não se sentem confortáveis quando outras pessoas expressam suas emoções, sendo frequentemente descritas como frias e desapegadas.
Em casos extremos, dificulta a formação de vínculos duradouros, pois não está emocionalmente disponível para lidar com as outras pessoas na intimidade. Uma pessoa com esse tipo de apego pode se sentir sufocada em ser minimamente cobrada, ou seja, por mais que seja uma cobrança razoável, a pessoa com apego evitativo pode interpretar como se a outra estivesse pedindo demais.
Apego desorganizado
Este tipo de apego surge em situações mais complexas, sendo uma mistura dos apegos ansioso e evitativo. Não raramente, surge em lares abusivos nos quais os pais/cuidadores não apenas não atendiam às necessidades da criança, como também ativamente causavam desconforto na criança por ter tais necessidades.
Por conta disso, a pessoa com apego desorganizado oscila entre momentos de apego ansioso e momentos de apego evitante. Essa pessoa sente vontade de estabelecer vínculos íntimos e duradouros com outras pessoas, mas ao mesmo tempo os teme.
Diferentemente do apego evitativo, pessoas com apego desorganizado não tem problemas com demonstrações de vulnerabilidade, tendo interesse nas expressões emocionais das outras pessoas. No entanto, assim como no apego evitativo, essas pessoas têm receio em confiar no outro, mesmo que o outro demonstre claramente ter as melhores intenções.
Assim como no apego ansioso, a pessoa com apego desorganizado pode ficar hipervigilante em suas relações, sempre buscando sinais de que está tudo certo ou de que há algo de errado. No entanto, diferentemente do ansioso, essa pessoa pode lidar com esse cenário da forma contrária: afastando-se do outro, pois não confia que será acolhida quando for demonstrar suas próprias inseguranças.
Em casos extremos, o apego desorganizado impede a criação de vínculos saudáveis por conta da falta de confiança, gerando o desenvolvimento de um padrão “vai e volta” no comportamento do indivíduo, que ora almeja a proximidade e ora a teme e se afasta.
Considerações finais
Entender a teoria do apego é só um pequeno passo para entendermos de onde vem alguns dos padrões de comportamento que apresentamos em nossas relações. Contudo, ao entender melhor sobre apego, é comum surgirem questões e sentimentos negativos em relação aos pais/cuidadores que não puderam atender às necessidades durante a infância. Vale ressaltar, no entanto, que nossos pais/cuidadores são simples seres humanos, que frequentemente também têm seus problemas de apego e carregam seus traumas consigo.
Nada disso justifica casos de pais/cuidadores abusivos, é claro. Essa consideração é válida somente quando estamos falando de pais e cuidadores que não puderam estar presentes de forma consistente por um motivo válido, como por exemplo trabalho, enfermidades, transtornos mentais, indisponibilidade emocional, dependência química, entre outros.
Por fim, nosso apego está sempre em desenvolvimento, então o padrão que desenvolvemos na infância nem sempre é o mesmo que teremos durante a vida inteira. Cada relação íntima que cultivamos tem o potencial de mudar algo em nós, seja para melhor ou para pior.
Em outras palavras, ao se relacionar com outras pessoas, uma pessoa de apego inseguro pode acabar aprendendo a ter um apego seguro. Da mesma forma, uma pessoa com um apego seguro pode acabar desenvolvendo padrões de apego inseguro após um relacionamento, em especial nos casos de relacionamentos tóxicos ou abusivos.
Até mesmo uma pessoa com apego ansioso pode acabar desenvolvendo um padrão de apego evitativo ao se relacionar com uma pessoa que tem um apego ainda mais ansioso que o seu, e vice-versa.
Indicações
Este texto teve como objetivo trazer uma breve introdução à teoria do apego para pessoas que não tiveram contato com este conceito anteriormente. No entanto, a teoria é bem mais completa do que isso e é indicado ler mais materiais sobre caso haja interesse.
Algumas recomendações:
- Uma Base Segura: Aplicações Clínicas da Teoria do Apego, de John Bowlby (mais teórico, sendo do próprio autor da teoria do apego);
- Maneiras de amar: Como a ciência do apego adulto pode ajudar você a encontrar – e manter – o amor, de Amir Levine e Rachel Heller (dicas mais práticas para pessoas que não são profissionais da psicologia);
- Tudo sobre o Amor, de bell hooks (não tem a ver com teoria do apego diretamente, mas trata sobre a formação e manutenção de vínculos no âmbito familiar, romântico, nas amizades, entre outros).